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29/09/2025
Câncer Infantojuvenil: Uma Luta pela Vida com a Especialista Dra. Teresa Cristina
Sinais e Sintomas
Em um país de dimensões continentais como o Brasil, o diagnóstico precoce do câncer infantojuvenil representa um desafio que vai muito além da medicina. Envolve educação, conscientização social e o olhar atento de todos que convivem com crianças e adolescentes.
Para compreender melhor essa realidade complexa, conversamos com a Dra. Teresa Cristina Cardoso, especialista em oncohematologia pediátrica com mais de três décadas de experiência e atual presidente da CONIACC (Confederação Nacional de Instituições de Apoio e Assistência à Criança e ao Adolescente com Câncer).
Uma Trajetória de Dedicação
A história da Dra. Teresa espelha os desafios da oncologia pediátrica brasileira. Formada em pediatria em 1989 e especializada em oncohematologia até 1994, ela tomou uma decisão corajosa: deixar um centro de excelência para juntar forças na criação de um serviço especializado no interior da Bahia.
"Eu saia de um serviço que era de ponta no Brasil, da Universidade Federal do Paraná, para um lugar que não tinha nada! Então, a gente começou do zero [...] num lugar de baixo recurso [...] junto com a criança, vem com toda a demanda da família dela", relembra a especialista.
Essa experiência a levou a participar da formação de organizações fundamentais como a CONIACC, além de ter ocupado a presidência da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica por dois mandatos entre 2000 e 2022.
A Nova Realidade Epidemiológica Brasileira
O Brasil vive uma transição epidemiológica que modificou completamente o perfil de doenças da infância. "Quando eu fiz a residência de pediatria, a gente tinha uma alta mortalidade por diarreia, por sarampo, por meningite, pneumonia... Hoje, com a imunização, e toda essa parte da atenção básica, reduziu muito o que nós chamamos de causas preveníveis", explica.
O resultado dessa mudança é revelador: "Hoje, o câncer é a doença que mais mata na faixa etária de um ano a dezenove anos... Entretanto, o câncer infantojuvenil representa apenas de 1% até 3% do câncer de adulto, tornou-se a principal causa de morte por doença nesta faixa etária."
Sinais de Alerta: Quando a Atenção Pode Salvar Vidas
Leucemia: O Câncer Mais Comum na Infância
"O principal tipo de câncer na infância é a leucemia", confirma a Dra. Teresa. Os sinais incluem:
- Palidez persistente: "Palidez que muitas vezes a mãe já usa o ferro e não melhora"
- Petéquias e equimoses: "Manchas roxas em locais que não são resultado de trauma"
- Febre persistente: Que pode não ser diária
- Dor óssea característica: "É uma dor que a criança está dormindo e ela acorda com a dor, é uma dor que ela está brincando e ela para de brincar por conta da dor"
A especialista enfatiza a importância da associação de sintomas: "Uma anemia ferropriva é o mais comum, mas se eu tenho uma anemia juntamente com uma dor óssea, já são dois sinais, então, você tem que ficar mais atenta".
Linfomas: Quando os Linfonodos Preocupam
"O linfonodo aumentado é muito comum na criança, toda criança tem", esclarece a Dra. Teresa. A preocupação surge quando:
- O linfonodo cresce sem quadro inflamatório associado
- É indolor e aderido (não escorrega ao toque)
- Apresenta mais de 3 centímetros
- Não diminui após tratamento anti-inflamatório por uma semana, "ainda tem que acompanhar por um período de 4, 6 semanas, porque ele pode diminuir e voltar a crescer e se voltar a crescer, ele tem que ser retirado", orienta.
Tumores Cerebrais: A Importância de Ouvir a Criança
Um dos pontos que chamou a atenção na entrevista foi sobre a dor de cabeça infantil: "É muito importante que os pais deem a devida importância à dor de cabeça! Imagina-se que a criança não quer ir para a escola porque não quer fazer o dever de casa... mas pode não ser só isso! Então, se atentem com a criança que fala que tem dor de cabeça, pare e ouça".
Sinais específicos dos tumores cerebrais:
- Dor de cabeça matinal
- Vômitos associados ou não
- Alterações do equilíbrio ("a criança começa a andar com as pernas abertas para não cair")
- Sintomas neurológicos focais
Um Caso Que Ensina
Considerando ainda, que nem tudo é o que parece e para exemplificar a importância de escutar as crianças, a Dra. Teresa compartilha um breve relato sobre uma experiência:
"Eu tive um paciente meu que os pais estavam se separando e então, com isso, começaram as questões psicológicas, e aí, foi a psicóloga dele que percebeu, porque ela viu que tinha alguma coisa errada, ele tava se queixando de dor de cabeça, tava andando estranho e se acreditava que era para chamar a atenção, mas, não era esse o caso!”
Ou seja, os sintomas físicos estavam sendo atribuídos a um causa psicológica que, contudo, a explicação era outra.
Tumores Abdominais e Torácicos
"Notando alguma coisa diferente na barriguinha deles, tem que consultar!", alerta a especialista. Os sinais incluem:
- Tumorações abdominais (Neuroblastoma e Tumor de Wilms)
- Dor abdominal e dificuldade para evacuar
- Tumorações torácicas causando falta de ar e tosse seca é "aquela criança que começa a abrir o tórax para poder respirar melhor"
Sinais Gerais de Alerta
- Sangramentos anômalos (gengival, vaginal ou outros)
- Qualquer massa palpável no corpo, porque, "na criança, alguns tipos de câncer não mostram sinais e sintomas, a única coisa que você tem é a massa"
A Revolução na Comunicação Médica
Uma das mudanças mais significativas destacadas pela Dra. Teresa foi na comunicação com famílias: "Eu venho de uma época que a gente não falava a palavra 'câncer' [...] a gente falava neoplasia... era 'aquela' doença [...] durante a minha formação, a gente tinha muito essa visão de que você não deveria falar sobre câncer com os pais para não criar pânico".
Porém, hoje, a transparência é uma regra: "Não só a Organização Mundial da Saúde, a Sociedade Internacional de Oncologia Pediátrica, a Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica, Organização Panamericana de Saúde sabem da importância que é a gente passar essa informação para os pais".
O Sucesso da Informação
"Nós tivemos a campanha do retinoblastoma, que já ocorreu a nível América Latina... reduziu e muito a mortalidade da doença", exemplifica a especialista sobre o poder da informação salvar vidas.
Cuidados Paliativos: Muito Além do Fim
A abordagem moderna dos cuidados paliativos representa uma mudança de paradigma: "Antigamente a gente falava que o paciente não tinha possibilidade de tratamento [...] hoje em dia, a gente não fala mais isso [...] ele até pode não ter a possibilidade de uma cura, mas ele continua sendo tratado".
O conceito atual é abrangente: "Os cuidados paliativos iniciam desde o diagnóstico justamente para tratar todo o cenário de sintomas que aquela criança possa ter durante o tratamento".
O Olhar Humanizado: "Uma coisa que eu sempre digo, não só ao profissional de saúde, mas toda a comunidade e aos pais... você tem que enxergar a criança primeiro [...] na frente da doença, com todas as suas características, seus gostos, seus medos", enfatiza a Dra. Teresa, deixando claro, que as atenções devem ser sempre voltadas à criança e à sua família, em todos os momentos do tratamento.
Casas de Apoio: O Diferencial Brasileiro
No enfrentamento do câncer infantojuvenil, as instituições e casas de apoio representam uma característica muito própria do Brasil que tornam mais leve a realidade desafiadora que vem junto com o diagnóstico de câncer.
Uma pesquisa da CONIACC revelou que "64% das mães que são atendidas pelas casas de apoio do Nordeste são analfabetas", elas sentem-se perdidas em meio a tantos termos médicos, mudanças que serão necessárias, encaminhamentos que precisam fazer! Tudo isso, sem o suporte oferecido pelas casas de apoio "é inviável", nas palavras da Dra. Teresa.
A Questão Territorial
"O país é muito grande, tem uma extensão territorial imensa, é um continente!", destaca a especialista. A especialista destaca que, além dos desafios que a própria doença impõem, as famílias ainda precisam lidar com questões como deslocamento, precisam percorrer longas distâncias para terem acesso ao tratamento para os filhos.
Essa é uma questão que tem impacto sobre a decisão em torno do tratamento: "Aquela criança, aquela família vão zerar toda a sua dinâmica familiar... a criança vai perder escola, a mãe, se tinha um emprego, vai perder... há uma transformação familiar".
Resultados Concretos
As dificuldades podem ser realmente um fator de grande peso, por isso, ter o suporte e a assistência das instituições de apoio é fundamental para que os tratamentos tenham início, meio e fim.
"É inviável você tratar uma criança sem uma instituição de apoio", afirma categoricamente Dra. Teresa.
Um dado que evidencia a importância desse trabalho de apoio é o resultado de uma pesquisa realizada em cinco países da América Latina (Brasil, México, Guatemala, Paraguai e Colômbia). O estudo mostrou que o Brasil foi o país que registrou a menor taxa de abandono de tratamento.
Ela segue afirmando apaixonadamente que "o Brasil tem uma riqueza que você não encontra lá fora... instituições onde a sociedade civil se organiza para enfrentar esse problema é uma característica muito do Brasil".
O Papel dos Professores: Aliados Fundamentais
"Os professores são grandes aliados na questão do diagnóstico precoce", destaca a especialista.
É sabido que, como profissionais que convivem diariamente com as crianças, eles podem identificar mudanças comportamentais e sintomas que poderiam passar despercebidos, até mesmo pela família.
Libertando as Mães da Culpa
Uma mensagem especialmente importante dita pela Dra. Teresa, diz respeito à culpa materna: "A mulher sempre se sente muito culpada... a mãe sempre se sente muito culpada e essa culpa é uma coisa que a gente tem que tirar das costas da mulher".
Sendo o câncer infantojuvenil, motivo de muitas cobranças, a especialista é categórica: "essa mãe deve entender que o câncer da criança não é um tumor prevenível como no adulto... Então, não tem que carregar essa culpa, porque, independentemente dessa mãe estar muito atenta, se tiver que ser, o câncer vai aparecer!"
O que de fato importa, é toda a família estar atenta às crianças e dos adolescentes já nas primeiras queixas, que podem não confirmar um diagnóstico, mas, podem ser sinais e sintomas começando a se manisfestar.
Ela ainda aponta, para a necessidade de se ter tempo de qualidade com os filhos, porque, esses momentos são a oportunidade perfeita para que os pais e responsáveis tenham um olhar mais atento. Sua recomendação é simples:
"Se tem algo que eu acho que todos nós podemos dar, é um momento de ouvir nossos filhos, de a gente ter um momento pra eles [...] ler uma história, botar pra dormir, jogar um jogo [...] a gente tem que ter momentos de conversa, de ouvir, de saber".
Conhecimento Como Ferramenta de Vida
O câncer infantojuvenil, embora represente uma pequena porcentagem dos casos de câncer em geral, é a principal causa de morte por doença em crianças e adolescentes brasileiros de 1 a 19 anos.
O diagnóstico precoce, através da informação adequada e do olhar atento de pais, professores e profissionais de saúde, faz toda a diferença!
Para mais informações sobre sinais de alerta do câncer infantojuvenil, procure sempre orientação médica especializada.
O conhecimento é o primeiro passo para a cura.
Fonte: Dr. Teresa Cristina Cardoso